segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Para onde foram as andorinhas?

          O curta-metragem “Para Onde Foram As Andorinhas?” de 2016, produzido com a parceria do Instituto Catitu e o Instituto Socioambiental, com duração de aproximadamente 22 minutos, aborda os efeitos do aquecimento global no ecossistema local observados por indígenas que residem no Rio Xingu, na região Amazônica. Dentre algumas premiações recebidas pelo curta se destacam as de Melhor Curta Metragem no “Festival Ambiental das Ilhas Canárias”, no “FestCine Amazônia” e o Prêmio “Refúgios e Mudanças”, recebido no “Festival ENTRETODOS de Direitos Humanos”, todos no ano de 2016.
       O Parque Indígena do Xingu, apresentado na Figura 01, se localiza na parte sul da região Amazônica, no nordeste do estado do Mato Grosso. Sua vegetação é composta por florestas semideciduais, savanas e florestas ombrófilas, apresentando grande biodiversidade. Sua homologação se deu em 1961, havendo, ao longo de sua história, alterações em sua área total, estabelecida nos moldes atuais em 1978. No Parque residem 6090 indígenas provenientes de 16 povos diferentes, dentre os quais se encontram os Trumai, Ikpeng, Kaiabi, Suyá e os Yudjá. Atualmente, o Parque é uma ilha de sociobiodiversidade cercada pelo desmatamento em suas fronteiras, onde cerca de 42% da área florestal deram lugar à monocultura de soja e milho. No ano de 2010, 10% do território foi atingido por incêndios florestais e, segundo dados apresentados no curta-metragem, foi desmatado um equivalente a 230 mil campos de futebol nas matas ciliares das nascentes do rio Xingu (ISA, 2016).

Figura 01. Localização do Parque do Xingu, bem como os povos indígenas presentes. 
Fonte: ISA (2002). 

    As alterações ambientais externas à área protegida estão afetando o clima da região e, consequentemente, alterando negativamente o modo de vida dos indígenas ali presentes. Há o aparecimento de insetos antes inexistentes na área, bem como o desaparecimento de outras espécies, tais como as andorinhas, cuja chegada no Parque auxiliava os indígenas a identificar a proximidade das chuvas. Devido ao fortalecimento e expansão da monocultura em seus arredores, levando à perda de biodiversidade e o uso intensivo de agrotóxicos, há períodos de seca que prejudicam a produção de alimentos para a subsistência da população residente. O documentário apresenta como as alterações climáticas são percebidas pelos indígenas, modificando ritos ancestrais. Isto se dá por uma percepção temporal desenvolvida nestas culturas por meio do contato direto com as relações ecológicas existentes em um meio até então não alterado modo significativo pelo ser humano.
    É importante considerar que a região amazônica possui áreas legalmente protegidas como Unidades de Conservação, definidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/2000), assim como terras indígenas, demarcadas pelo Estado, ambas consideradas espaços territoriais especialmente protegidos pela Política Nacional do Meio Ambiente. Bem como a proteção e conservação da biodiversidade existente, as terras indígenas são demarcadas como reconhecimento e perpetuação da cultura e identidade destes povos, chamados de tradicionais, tendo em vista a ancestralidade de seus conhecimentos e a qualidade de sua transmissão, dada de forma oral.
      Nossa legislação ambiental e o ideário de um desenvolvimento sustentável de fato consideram que quaisquer saberes relacionados à conservação da biodiversidade necessitam ser mantidos, tanto por sua utilidade quanto por seu valor intrínseco, de existência. Entretanto, como é possível perceber no curta-metragem, somente a existência de instrumentos legais não é garantia para que haja a consecução dos objetivos do SNUC e das Terras Indígenas, havendo a necessidade de políticas públicas para promovê-los e fiscalizar seu cumprimento. Quando o Estado se ausenta nestes locais, abrem-se espaço para toda sorte de atuações ilegais nos arredores das áreas protegidas (com reflexos perceptíveis em seu interior), como a grilagem de terras e práticas agrícolas inadequadas para os objetivos de manutenção do Parque, com danos muitas vezes irreversíveis.
       O documentário pode ser utilizado em sala-de-aula com o propósito de apresentar aos estudantes uma outra forma de abordar as alterações climáticas, por meio do conhecimento empírico, o qual, apesar de apresentar diferenças com o conhecimento científico, deve ser igualmente valorado. Apesar de mostrar uma realidade distante da vivida por estudantes que residem em cidades, estando em contato com um ambiente bastante alterado pelos humanos, apresenta de forma direta os impactos socioambientais provocados por um modelo de desenvolvimento baseado na monocultura, que necessita do aporte de agrotóxicos para se manter, levando ao desequilíbrio dos ecossistemas e à perda de culturas e, portanto, da identidade de povos ancestrais.
    Para além do problema das alterações climáticas, é premente trabalhar com os estudantes a importância da sociodiversidade brasileira, sobretudo dos povos ancestrais, abordada de forma superficial no ambiente escolar e pela grande mídia. A partir dadesconstrução de preconceitos arraigados em nossa cultura em relação às culturas ancestrais de nosso país, espera-se que os jovens possam valorá-las e se mobilizar em prol de sua manutenção, assim como se posicionar de forma crítica quando os direitos destes povos se encontrar ameaçados.



Referências Bibliográficas

ISA (Instituto Sociambiental). Povos Indígenas no Brasil: o Parque. 2002. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu/1539>. Acesso em: 27 out. 2017.

PARA Onde Foram As Andorinhas? Direção de Mari Corrêa. [s.i.]: Instituto Socioambiental - Programa Xingu e Instituto Catitu, 2016. (22 min.), son., color. Legendado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T0-INQW3It0>. Acesso em: 27 out. 201