sexta-feira, 9 de setembro de 2016

ENTRE RIOS


O curta-metragem “Entre Rios” é uma produção independente do cineasta Caio Ferraz, que trata da urbanização desordenada da cidade de São Paulo e os impactos que ocasionou aos seus rios e córregos, cujas questões tratadas podem ser facilmente extrapoladas para outras cidades do Brasil e do mundo.

Em seu histórico, a vila de São Paulo de Piratininga que significa rio do peixe seco na língua tupi, se originou nas margens do rio Tamanduateí. Os peixes deste rio, após as cheias, ficavam presos e morriam na baixa do rio, atraindo formigas e, consequentemente, os tamanduás que lá viviam, daí o nome dado ao rio pelos indígenas que navegavam por suas águas em busca de alimento e de travessia para a entrada no rio Tietê, onde o Tamanduateí deságua.
O vídeo alerta sobre o mau planejamento na urbanização das áreas agrícolas, com as ocupações humanas por meio de residências, comércio, indústrias, ruas, avenidas e toda sorte de aparelhos urbanos se dando de forma a não respeitar o regime natural dos rios, que apresentam épocas de cheias e secas.
Segundo Tucci (2011) na bacia hidrográfica rural, o movimento da água é armazenada pela vegetação, infiltrando no solo, sobrando apenas o escoamento sobre a superfície de forma gradual, fazendo um hidrograma com alteração lenta de vazão e com piques de enchentes moderados. No modo natural de enchente, as águas atravessam somente a calha menor do rio mais ou menos em dois anos, após o qual, no período de cheias, há a ocupação de seu leito maior.
Esta dinâmica todo rio possui e muitas das vezes as cheias são mais espaçadas em termos temporais, o que dá a impressão, às pessoas, de que apenas o leito menor do rio é ocupado por águas. Deste modo, as áreas ribeirinhas acabam por ser ocupadas e, consequentemente, são inundadas quando chove. A Figura abaixo apresenta a estrutura dos rios, em termos de seu leito menor e maior (planície de inundação ou área ribeirinha), em seção horizontal (na esquerda) e transversal, na direita.


 
Fonte: Tucci (2008, 16).


Pouco a pouco, além destas ocupações, as micro bacias que compõem o espaço em urbanização são ocupadas com áreas impermeáveis que fazem parte dos loteamentos urbanos, levando a um aumento do escoamento superficial das águas das chuvas, não mais retidas pelo solo com a vegetação que fora retirada do local. Deste modo, as águas que seriam absorvidas pela vegetação se direcionam rapidamente pelas ruas e avenidas com diversos contaminantes químicos presentes no asfalto e com os resíduos sólidos também presentes, alcançando, em poucos minutos, rios e córregos e contribuindo para agravar as enchentes urbanas. Deste modo, o ciclo da água é alterado nas áreas urbanas, visto que a absorção das águas das chuvas é diminuída de forma drástica, não efetuando a recarga dos aquíferos e lençóis freáticos que alimentam os rios. Além disto, as águas que agora chegam a estes rios possuem os contaminantes que alteram significativamente a qualidade hídrica, que já não pode ser utilizada para o abastecimento humano, a pesca e, principalmente, para a manutenção da vida aquática. A biodiversidade existente nestes ecossistemas é bastante diminuída, restando somente aqueles organismos mais adaptados a condições adversas. Em vários casos, como ocorre com o rio Tietê que atravessa a cidade de São Paulo, por exemplo, apenas as bactérias anaeróbicas sobrevivem à poluição gerada.
Além disto, o vídeo mostra como os rios não são apenas desconsiderados como parte essencial do ecossistema urbano, mas também vistos como um empecilho, um problema à vida nas cidades. O modelo de urbanização adotado no Brasil, que dá atenção ao transporte individual por carros conduz ao aumento da extensão e alargamento das ruas, dando espaço à grandes avenidas para aumentar o fluxo dos passageiros que transitam na cidade. Para fazer isto, os rios que impedem a travessia dos carros são aterrados e “estrangulados”, ou seja, tem sua largura diminuída. Imaginemos então o que ocorrem quando há uma chuva mais intensa em um local assim construído. As enchentes, antes naturais, que ocupavam somente a planície de inundação dos rios caudalosos, cheios de curvas, agora ocasionam um verdadeiro caos urbano, com enormes perdas econômicas e muitas vezes de vidas humanas!
Para resolver o problema ocasionado por falta de planejamento urbano que é derivado de uma concepção errônea da cidade, não vista como um ecossistema complexo, onde sua paisagem e condições naturais são totalmente ignoradas, estes mesmos rios são transformados, por obras de engenharia, em passagens para as águas pluviais, as quais, para seguirem rapidamente, precisam de superfícies lisas para atravessar. Assim, os rios são concretados em suas margens e em seus leitos, sendo finalmente convertidos em canais de água, já totalmente desnaturalizados. A fauna e flora residentes já não existem mais e eles não são mais os ecossistemas complexos de que tantos seres vivos e os humanos dependem para sobreviver.
É nisto que se converteu o rio Tamanduateí, que abrigava uma diversidade imensa de vida e era fonte de alimento e transporte para os antigos habitantes de São Paulo..
Um organismo tão complexo dando espaço à cidade, esta floresta de concreto que com seus meios de produção capitalista, pautados por uma lógica desenvolvimentista e individualista, prejudicam  o meio que dependemos para viver. Atualmente, a cidade de São Paulo e tantas outras que passaram por este mesmo modelo de urbanização sofrem com as inundações provocadas por humanos. Segundo  Tucci (2008,p.99), tal modelo também é produto da “desorganização, de pouca informação sobre o assunto, falta de conhecimento e de educação”. Inundações deste tipo estão intimamente ligado com  os valores que norteiam as decisões tomadas pelo Poder Público, que se relacionam à uma super valorização de questões econômicas imediatistas e que, pela ausência da participação da sociedade nas tomadas de decisão que a afetam diretamente, conduzem a um abismo social, já que a cidade não é vista em sua totalidade e, portanto, não é construída para o conjunto da sociedade, mas sim para o bem-estar de poucas pessoas economicamente abastadas.
“Entre Rios” é um ótimo documentário para se trabalhar em sala de aula, dado seu conteúdo multidisciplinar e poético, mostrando a importância de um bom planejamento urbano, que seja amplamente participativo e dado a partir do conhecimento do local, em sua complexidade ecológica. É possível apresentar aos estudantes que os rios são ecossistemas dinâmicos, que são indispensáveis à vida humana e que devem ser conhecidos e respeitados. Pode-se trabalhar de forma interdisciplinar e, por meio de uma vivência concreta assim trazida, conceitos difíceis de serem compreendidos, como a de bacia hidrográfica e trazer à tona a legislação ambiental que protege as margens dos rios, tais como o Código Florestal, dentre outros.
Muita gente diz que a situação dos rios em são Paulo é um desastre, que nunca foi feito um planejamento urbano que considere suas águas. Em uma entrevista para o portal “uol”, o Arquiteto e urbanista Dr. Paulo Mendes da Rocha, diz sobre os rios: “Eles fazem parte de um sistema que é, enfim, a rede hídrica, fluvial, de uma região. [...] O rio flui, portanto, você não pode tratá-lo bem no trecho que ele atravessa uma cidade como fato isolado. [...] Há muito tempo que está entre nós esboçado o desastre, por falta de atenção, não por falta de saber.”
Portanto, recomendamos a você, caro leitor, a apreciação deste belo e importante curta-metragem, para uma reflexão acerca das cidades que todos nós desejamos para o presente e futuro da humanidade. Obrigada pela leitura!


Referências Bibliográficas 
TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. São Paulo. 2008.
TUCCI, C. E. M. Inundações Urbanas. São Paulo. 2008.
ROSA, G. S. Do outro lado do rio. Trilogia. Rio de Janeiro.2013 Disponível em: < http://gizmodo.uol.com.br/urbanismo-2/page/2/> Acessado 21 ABR de 2016.